Não é novidade nenhuma o
desinteresse (ou o desleixo, ou a preterição) dos governos federal, estadual e
municipal frente a cultura. Como diz a prefeita de Torres: se a crise é no país
ou no estado, a crise também é no município. Ou seja, problemas globais são
problemas locais. E parece que a preterição a cultura segue a mesma linha de
raciocínio. Sempre haverá prioridades à cultura.
Não vou entrar no terreno
pantanoso da política partidária, vou apenas falar sobre cultura e sua
importância para a sociedade no âmbito global e local. Poderia escrever sobre a
cultura e seu poder de mudar uma sociedade, de preservar esta sociedade ou de
projetá-la no futuro. Mas vou escrever sobre um livro que virou filme e que servirá
de metáfora para esta coluna.
O livro é “O doador de memórias”.
Segundo sua sinopse, a autora Lois Lowry constrói um mundo aparentemente ideal
onde não existem dor, desigualdade, guerra nem qualquer tipo de conflito. Por
outro lado, também não há amor, desejo ou alegria genuína. Os habitantes de uma
pequena comunidade, satisfeitos com a vida ordenada, pacata e estável que
levam, conhecem apenas o presente – o passado e todas as lembranças do antigo
mundo lhes foram apagados da mente. Um único indivíduo é encarregado de ser o
guardião dessas memórias, com o objetivo de proteger o povo do sofrimento e, ao
mesmo tempo, ter a sabedoria necessária para orientar os dirigentes da
sociedade em momentos difíceis. Aos 12 anos, idade em que toda criança é
designada à profissão que irá seguir, Jonas recebe a honra de se tornar o
próximo guardião. Ele é avisado de que precisará passar por um treinamento
difícil, que exigirá coragem, disciplina e muita força, mas não faz ideia de
que seu mundo nunca mais será o mesmo. Orientado pelo velho Doador, Jonas
descobre pouco a pouco o universo extraordinário que lhe fora roubado. Como uma
névoa que vai se dissipando, a terrível realidade por trás daquela utopia
começa a se revelar. Assim como Jonas, o resto da população deste mundo “ideal”
desconhece muitas coisas consideradas não relevantes pelos anciãos que comandam
as comunidades (e muitos destes anciãos também não as conhecem). Não vou contar
o desfecho do livro (ou do filme) porque vale a pena ler o livro (ou ver o
filme). Quero com este exemplo fazer um paralelo com a nossa realidade
cultural.
Poderia citar diversos exemplos para
ilustrar o escasso interesse dos governos a respeito da cultura no Brasil ou no
estado, mas vou apenas lembrar dos casarios açorianos da Júlio de Castilhos, dos
cinemas antigos da cidade, dos CTG´s, das bandas, dos grupos de teatro, dos
grupos de danças, dos escritores, dos poetas e de tantos outros agentes
culturais da nossa cidade que sumiram ou silenciaram com o tempo. Falta de
apoio, falta de incentivo, falta de público, falta de “cultura”, falta de
memória ou tudo isso junto. Não sei, perdemos. Várias referências sumiram com o
tempo, outras surgiram, é verdade, mas com pouco incentivo cada um procura
salvar o seu “mercado cultural” do jeito que puder.
Será que nossos governantes
(anciãos do livro) nos dão pouco acesso à cultura por desconhecer a sua importância,
por preterição ou por simplesmente ignorar sua existência? E a população
(comunidades) não têm acesso a cultura porque não sente falta do que não sabe
que existe? Ou seja, se desconhece sua existência, não sente falta.
Precisamos de um Jonas que liberte
a memória da cultura esquecida no passado ou nem lembrada e mostre com clareza
o seu poder transformador. Um Jonas que liberte a cultura em forma de teatro,
pintura, livros, danças, tradições regionais, poesias, aprisionadas no fundo de
uma memória burocrática e populista que teima em mantê-la longe dos cidadãos.
Enquanto isso não acontece, você
que é ligado a área, é agente ou produtor cultural, ou simplesmente aprecia a
cultura junte-se ao movimento cultural da cidade através do Conselho Municipal
de Cultura e ajude alguns “Jonas” nesta prazerosa, porém difícil tarefa.
Em tempo: Em Torres existem Doadores
de cultura (fruto do primeiro Edital do FUMCULTURA) prestando seu
trabalho em troca de sorriso, satisfação e conhecimento a serem reproduzidos infinitamente.
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