Tão ou mais difícil
como projetar o futuro, é descrever o passado. Claro que alguns fatos, locais
ou acontecimentos passados já foram descritos com detalhes impressionantes,
porém outros faltam fontes, documentos, datas...
Ao olhar fotos antigas
eu sempre tento imaginar como seria todo o resto que não estava contido naquele
pedaço de papel. E da mesma forma, lendo alguma descrição histórica, imagino como
deveria ser aquele local tão ricamente exposto.
Viajantes vindos pela estrada de laguna, atravessando as correntezas
do Mampituba em direção as três grandes torres que adentram o mar...
Imaginar, completar, materializar
nem que seja numa pintura ou desenho, o que foi descrito ao longo dos anos
sobre a vila de Torres, e assim observar e admirar. Talvez as primeiras
descrições lembrem aquelas praias desertas que muita gente adoraria passar suas
férias ou o resto de suas vidas. Essa poderia ser a Torres de 1500, algo bem
próximo da descrição de um paraíso aqui na terra.
Em uma crônica do
historiador Ruy Ruben Ruschel, há uma descrição de como poderia ter sido nossa
cidade na época do descobrimento do Brasil.
Ruschel tenta
visualizar a região a partir de três fatores básicos: as areias, o lençol
freático e as matas. Iniciando pelas areias ele descreve que a faixa plana de
praia só existia até onde a maré chegava, o que concentravam ali mesmo as
grandes dunas, deixando a Praia Grande, Praia da cal e Praia da Itapeva bem
mais estreitas do que hoje.
“Logo atrás dessa linha estreita, mole e ondulada de praia
é que se concentravam, em grandes dunas, quase todas as areias Torrenses.
Formavam dunas enormes, até 20 m ou mais de altura, alinhadas em poucos
bastidores, ocupariam os espaços agora do calçadão da beira-mar e das primeiras
quadras na praia grande e da Cal.”
Já o lençol freático,
há cinco séculos, ficava bem acima do presente, estendendo pelas planícies
Torrenses que viviam encharcadas. Os pantanais iam desde às margens do
Mampituba até a encosta da Itapeva, e também daí para o sul.
“Paralelos ao mar, esses banhados começavam logo atrás das
grandes dunas e às vezes tinham 1km ou mais de largura. O primeiro deles
vinha desde a atual ponte pênsil até a extremidade norte da Lagoa do violão
(Ronda) com desenvolvimento ao longo das margens do Mampituba (Potreiro).”
Pelo descrito, as terras
da atual cidade e de seu entorno eram encharcadas e cobertas de tiriricas,
povoada de jacarés, lagartos, cobras, capivaras, pacas, garças, marrecas
migratórias e tantos outros animais de pântano.
O terceiro grande fator
da paisagem torrense de outrora, segundo Ruschel, foi a presença dominante da
Mata Atlântica.
“Nas Torres, a floresta encontrava condições de
desenvolvimento até onde, abrigada dos Ventos marítimos (vento Nordeste
predominante e o Vento Sul), grandes capões havia na hoje Cidade Alta, nas
encostas do Morro do Farol, nas Furnas da guarita e na torre do Sul, bem como
na Itapeva. Até mesmo entre a Falésia do Morro do farol e o mar se tinha desenvolvido
uma réstia de mato abrigada pelas enormes rochas que ali existiam.”
Este era, mais ou
menos, o cenário por volta de 1500 e que deve ter permanecido assim até por
volta de 1800, quando, finalmente, começaram a acontecer alguns fatos
relevantes nesta região.
A região de Torres, em
1777, começou a deixar calmaria de lado e o paraíso foi alterado, Jacob (Jaques
ou Diogo) Funck, ergueu no alto da torre norte o primeiro fortim em defesa do
continente de Rio Grande de São Pedro. O Fortim São Diogo das Torres foi
construído na subida do Morro do Farol, próximo ao prédio da escola abandonada.
Composto por duas amuradas de terra em ângulo, com 300m de comprimento, e dois
canhões apontados para o norte, o fortim oferecia esta frágil defesa do
continente. Aqui no extremo da mansa e tediosa planície costeira gaúcha, um
fortim em defesa da invasão castelhana que nunca aconteceu.
Mais tarde, em 1822, o
fortim já desaparecido, foi reerguido pelo Cel. Francisco de Paula Soares de
Gusmão com o nome de “Baluarte Ipiranga”. Tão frágil como o primeiro
Em 1839, de acordo com
Ruschel, a vila das Torres tinha uma única via transitável assim descrita:
“...um longo desfiladeiro entre um dos montes que dão nome
àquele lugar e um grande paul (alagadiço), então invadeável.”
Este caminho existia
desde os tempos mais remotos, era a trilha utilizada pelos índios (cariós e
arachãs) que aqui habitavam. Naquela época já era o único caminho pois pela
beira-mar havia uma quantidade enorme de rochas que obstaculizavam a passagem
pela beira mar, pela lagoa existiam os perigosos banhados e pelos morros
existia o incômodo de subir e descer.
Além deste caminho,
nessa época, já existiam a casa denominada de número um, pertencente ao Alferes
Manoel Ferreira Porto, e a igreja Matriz de São Domingos das Torres. E conforme
descreveu Ruschel as condições de sanidade da população torrense não eram muito
boas. A maioria das famílias moravam na zona rural, em casas pobres no meio das
suas roças e campos.
O entorno do hoje
centro histórico da cidade foi descrito como quase deserto, muita areia, mato e
poucos moradores.
“O terreno é como o resto antecedente, de praias e falto de
matos e pastos. Não tem moradores, só uma casa de registro, situada nas ditas
Torres, que tem um Cabo de Esquadra com dois soldados da Cavalaria Ligeira.
Antes de chegar ao campo das Torres passa-se por cima de um pequeno morro, a
esquerda do caminho, está uma pequena casa que é da família do tal Cabo de
Esquadra.”
“Pela esquerda, o terreno, muito pantanoso, tem bons matos
e boas madeiras. Em cima do dito morro, na parte que faz frente ao norte, há
uma bateria, sem artilharia, fabricada de terra, com quartéis nos quais
estiveram cinco Companhias do Regimento de Santos, pelo tempo da Campanha. O
resto do caminho é de praias, não tem pastos, nem matos que prestem, nem
moradores.”
Nesta época, os
moradores desta região eram poucos índios e mestiços que restaram dos
prisioneiros de guerra trazidos para trabalhar nas obras da igreja, imigrantes açorianos
que vieram de Desterros e Mostardas para a primeira colonização (1777) e os 422
imigrantes alemães que vieram em 1826. De acordo com o recenseamento da época
(1826) o total de moradores do distrito era de 1120 pessoas, sendo 675 homens e
445 mulheres.
Esse era panorama da
cidade de Torres e região a partir de 1800, quando iniciou-se a mais
contundente colonização do centro urbano e rural.
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